Tuesday, July 31, 2012

SOLIDÃO


SOLIDÃO 

Tu que povoa meus sonhos e embala os meus dias,
Tu que na imensidão do silêncio me trás alegrias,
Tu que nas seis badaladas da Ave Maria
Reúne em minha sala meus fantasmas e minhas fantasias.

Tu que se apodera de mim quando escrevo
Tu que es a voz que fala aos meus ouvidos
Que me faz arder em febre quando tudo é negro
E se faz dona de uma vez de todos os meus sentidos

Tu que não es conseqüência de um estado físico,
Que me distancia do real e me leva ao abismo
Para que eu tenha acesso a estas zonas suspensas
E possa agarrar-me ao nada do absolutismo.

E os fantasmas gargalham seus medos,
E vozes antigas cercam meus ouvidos
E uma magia modesta atende meus pedidos
É o milagre da palavra entre meus dedos.

Só tu compreendes meu silêncio interior
Em um estádio, um salão, um deserto, onde for.
Tu sabes que não é a voz de fora a que incomoda
É a de dentro que celebra a boda e se faz amor.

Tu que es um estado de espírito,
E ainda mais que isso um destino.
Que conheces a relação dos fantasmas do meu ser.
Tu que sabes que cresci pra me tornar menino
Tu que sabes que só sou quando não quero ser.

Tu que conheces quanto necessito de distância
Quanto preciso me afastar das circunstâncias,
Dispensar os apelos do real e pedido dos alheios
Pra ficar junto de mim, dos meus anseios,
Pra sair com meus fantasmas em longos passeios.

Solidão amiga quanto es de boa companhia
Que me faz sentir criança e cheio de alegria
És a mais completa das academias
Onde me sinto em festa sem apologia
Onde vivo em paz sem melancolia.






Thursday, July 26, 2012

CARTA ABERTA A UM PROCURADOR.

Senhor procurador Cléber Eustáquio Neves,

Escrevo-lhe esta carta porque soube que o Sr. entrou com ação na Justiça solicitando a imediata retirada de circulação, suspensão de tiragem, venda e distribuição do dicionário Houaiss, porque no verbete “cigano” há acepções, ao seu ver, carregadas de preconceito ou xenofobia, apesar da informação explícita no dicionário de que tais acepções não são pejorativas. Para o Sr., o texto do verbete afronta a Constituição e pode ser considerado racismo. É para ajudá-lo nessa importante tarefa de cortar as afrontas linguísticas à Constituição que lhe escrevo esta carta aberta, na esperança de que ela lhe chegue às mãos.

Há outros verbetes racistas e preconceituosos que afrontam nossa Carta Magna, como “judiar”, “judiaria”, “judiação”, uma verdadeira apologia ao antissemitismo. Mande suprimir também o verbo “denegrir” que é um acinte aos afrodescendentes por sua significação pejorativa.
Por que o luto tem de ser preto? Envie uma mensagem ao Congresso para que faça uma lei que proíba a cor negra para o luto. Mande retirar também dos dicionários o verbete “mulato”, que se origina do nome “mula” e é uma ofensa também aos que têm a cor da Gabriela de Jorge Amado.
Aliás, também deve ser retirada dos dicionários a expressão “eminência parda”, por sua conotação negativa que agride os que são pardos.

Seria bom também retirar do dicionário o verbete “esquimó”. Na língua do povo mongólico que habita as regiões geladas da Groenlândia, Canadá e Alasca, a palavra “esquimó” significa “comedor de carne crua”,
o que é altamente ofensivo para esse povo que prefere ser chamado de “inuit”, que quer dizer “povo”.      
Os esquimós, digo, os inuits, também merecem respeito, embora morem longe do Brasil.

Por que não mandar suprimir todos os palavrões dos dicionários?
Pense num adolescente ou numa criança que, ao abrir o Houaiss ou o Aurélio, encontre um palavrão desses cabeludos que fariam enrubescer uma freira de pedra. Trata-se de pornografia explícita que deve ser extirpada.

Aliás, por que as notas musicais pretas são de menos valor que as brancas? Trata-se de racismo velado, já que uma semifusa, por exemplo, toda pretinha, vale bem menos que uma semibreve, toda branquinha.
Mande tirar o negrume das notas musicais e mande apreender todas as partituras, de Bach a Villa-Lobos, por exemplo, porque todas contêm notas pretas de menor valor que as notas brancas.

Mande suprimir nos livros de Física a expressão “buraco negro”, e de todos os dicionários expressões como “magia negra”, “humor negro”, “ver as coisas pretas”, todas com conotações altamente ofensivas à raça que tanto fez pelo progresso de nossa Terra.

Aliás, por que não mandar recolher todas as gramáticas da língua que ensinam que a concordância nominal se faz no masculino mesmo que haja um único homem entre milhões de mulheres? Trata-se de um preconceito contra as mulheres ainda não previsto na Lei Maria da Penha.

Como vê, Sr. Procurador, sua tarefa é extremamente árdua. Haveria outras coisas a dizer, como o preconceito contra a raça branca, encontradiço tambémnos dicionários, pois passar a noite em claro, dar um branco (quando se perde momentaneamente a memória), arma branca, casamento branco, elefante branco, greve branca, intervenção branca, versos brancos, escravatura branca, viúva branca, ditadura branca e, outras mais, são expressões que devem ser abolidas por sua conotação pejorativa, nitidamente racista.

Se de todo for impossível acabar de vez com os dicionários e livros científicos, só lhe resta uma solução,  dada a dificuldade de cumprir a sua missão de salvar a língua portuguesa e a cultura brasileira dos
preconceitos e afrontas à Constituição: aposente-se.

Um abraço fraterno do admirador José Augusto Carvalho