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Nos funerais de Marx, Engels disse estas palavras: “O homem precisa primeiro comer, beber, possuir um teto e vestir-se, antes de se preocupar com a política, com a ciência e com a religião”. Giddings afirmaria que a evolução da cultura é a evolução da economia de consumo.
O homem deu azar, na sua primeira existência, de ter que se enfrentar com a fome. Isto é, a necessidade de comer e de procurar alimentos. Depois passa da caça à agricultura. Depois ingressa no aprendizado de ofícios com suas formas tradicionais de divisão de trabalho.
Quando começa a criar bens, se converte em consumidor destes. À proporção que o ser humano consegue meios que de alguma maneira assegure sua subsistência, vai inventando outros para enriquecê-la.
É aí que o homem inaugura a seqüência de transformações qualitativas.
A luta reivindicativa dos grêmios, precursora dos grandes movimentos sociais da humanidade, busca maior poder de compra e menos horas de trabalho das classes assalariadas. De uma forma ou de outra, com a perspectiva de uma vida mais justa, se contribui a incrementar e estender o consumo. Este cresce e se desenvolve segundo a industrialização; avança e instala o domínio do homem sobre a natureza, fazendo surgir novas necessidades individuais e coletivas. De uma sociedade restringida se passa a uma sociedade de participação que dá acesso a muito mais gente e muito mais bens. Encurta a desigualdade sem evitá-la.
Por uma ação inseparável, e do mesmo modo que o consumo aumenta conforme se aproxima das zonas urbanas, os povos produtores se fazem povos consumidores. Nasce assim uma economia que, tendo por finalidade satisfazer necessidades e desejos, se fundamenta em uma relação constante de produção e consumo, apadrinhada pelo livre jogo da demanda e da oferta. Tem que se debater entre o risco de crises determinadas pela baixa de consumo e a limitação de uma demanda originada pelo excesso de compradores e a falta crescente de matéria prima. A progressão do consumo em termos demográficos desborda freqüentemente qualquer exame em termos puramente dialéticos.
Mas difícil de compreender e aceitar é o problema que cria a sociedade de consumo, quando é devorada pelos apetites que engendra desde o misterioso governo do comportamento humano, cujas leis alcançaram estatura descomunal na análise científico de toda classe de ações e obras. É ai que acontecem os maiores contrastes. A terapêutica oposta que buscam os que consomem por angustia ou nervosismo e aqueles que o fazem por racionalização e prescrição.
A luta de quem por falta de proteínas na alimentação aspiram a um maior consumo delas e os que por excesso destas tratam de reduzi-las sistematicamente.
É o caso de povos como o brasileiro e muitos outros que compram a televisão antes da cama, e o francês que prefere o automóvel ao higiênico bidê.
Porém o que mais assusta saber é que, a partir do momento em que uma pessoa pode comprar mais do que necessita, corre o risco imediato de que o que compra não é necessariamente o que necessita. E a frustração vem tanto por não consumir o que necessita, quanto de consumir muito mais do que é necessário.
Ao superar a escassez, como limite degradante e entrar na abundância, como conquista reparadora, o homem pode perder a noção do que é verdade, tanto para sucumbir às tendências de sua própria imaginação, entre o contágio dos sonhos o fetichismo dos produtos.
Mas deixemos de lado as regras econômicas que determinam que uma diferença de ingresso corresponde a um consumo quantitativo e que uma diferença de gastos corresponde a uma diferença qualitativa. O homem é seduzido freqüentemente pela auto-estima ou pela admiração social que provoca aquele que gasta mais, mesmo que não corresponda a viver melhor.
Desmoronadas as normas e as escalas de valores, o homem emerge no terreno do imprevisível, com a falta de controle e o esbanjamento, confirmando que o homem costuma ser mais capaz para dominar seu meio – a natureza, que para ordenar sua vida – a sociedade. É exatamente isso que pode levar o homem do Paraíso do consumo ao Inferno do Consumo.
E aqui está a grande alternativa em que nos situa este logro humano, chamado sociedade de consumo. Exige a máxima soma de compreensão e é necessário valorizá-la de frente às particularidades de cada país, dentro de um marco histórico de um desenvolvimento criado cuidadosamente pelo próprio impulso de nossa civilização, na busca de um bem-estar comum a todos os povos como propósito de superação.
O reconhecimento das causas e efeitos que caracterizam este processo, ao revelar paralelamente a natureza íntima do homem, está unido ao destino de forças que, ao mesmo tempo em que produzem o bem, podem transbordar perigosamente. Pretender paralisar uma tendência que pertence ao gênesis biológico do homem, unificando o gosto e o uso, seria antinatural e cancelaria a pluralidade de opções que é própria da liberdade em seu conceito pleno. Tentar incentivá-la em seus excessos, seria promover o consumismo, que é vender não importa o que e não importa a quem, substituindo a sociedade de consumo pela sociedade do esbanjamento e do desperdício. De um extremo ao outro galopa o desgaste erosivo de algum despotismo. Tão inaceitável deve ser a glorificação do consumo como mesquinhez do anticonsumo. Trata-se de redundâncias ofensivas. O consumo é uma necessidade; o excesso, um vício.
Todo excesso de consumo é tão nocivo como toda negligência de consumo. Fugir de um, não implica forçosamente em abraçar o outro. Se os extremos resultam inevitáveis na consubstancialidade do fenômeno. Pelo contraste deles se pode encontrar o ponto de equilíbrio. Este nos aproximará a uma sociedade em que se consuma e que todos possam consumir, em oposições lógicas a uma sociedade onde poucos consomem muito. O consumismo como um ato natural, direito adquirido, frente à luxúria satânica do consumo como um ato de desperdício, direito tomado.
Seria muito justo entender a sociedade de consumo nas dimensões equivalentes da sociedade de bem-estar, como soma razoável das melhores qualidades de nossa vida. Uma sociedade povoada e compartida por todos os que, sendo produtores, são legítimos consumidores, na plenitude humana de suas necessidades e de seus gostos.
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